sábado, 15 de agosto de 2015

Os livros de sociologia e os sociólogos não dizem nada sobre a sociedade

Não esquecerei jamais a surpresa, pintada de vergonha e de escândalo, que senti quando, faz muitos anos, consciente de minha ignorância sore este tema, acudi cheio de ilusão, soltas todas as velas da esperança, aos livros de sociologia, e me encontrei com uma coisa incrível, a saber, que os livro de sociologia não nos dizem nada claro sobre o que é o social, sobre o que seja a sociedade. Mais ainda: não somente não conseguem dar-nos uma noção precisa do que é o social, do que é a sociedade, como ainda, ao ler esses livros, descobrimos que seus autores, - os senhores sociólogos, - nem sequer tentaram, m pouco a sério por-se eles mesmos em claro sobre os fenômenos elementares em que consiste o fato social. Inclusive em trabalhos que, pelo seu título, parece enunciar que se vão ocupar o fundo do assunto, logo vemos que o eludem, - diríamos, - com plena consciência. Passam sobre esses fenômenos, - repito: preliminares e inevitáveis, - como sobre brasas e, salvo alguma exceção, essa mesma, sumamente parcial - como Durkheim, vemo-las lançar-se com invejável audácia a opinar sobre os temas mais terrivelmente concretos da convivência humana.
Eu não posso, é claro, demonstrar isso agora, porque tal intento ocuparia muito, do escasso tempo que temos a nossa disposição. Baste-me fazer esta simples observação estatística qu e me parece ser o cúmulo.

Primeiro: as obras nas quais Augusto Comte inicia a ciência sociológica sobem a mais de cinco mil páginas com letra bem apertada. Pois bem: entre todas elas, não encontraremos linhas bastantes para encher uma página e que tratem de dizer-nos o que Augusto Comte entende por Sociedade.

Segundo: o livro em que essa ciência ou pseudociência celebra o seu primeiro triunfo sobre o horizonte intelectual, - os "Princípios de Sociologia", de Spencer, publicados entre 1876 e 1896, - não contará menos de duas mil e quinhentas páginas. Não creio que cheguem a cinquenta as linhas dedicadas a perguntar-se o autor que coisas sejam essas estranhas realidades; as sociedades, de que a obesa publicação se ocupa.

Ensinamento e alteração - Vagas ideias sobre o social

Trata-se do seguinte: falam os homens hoje a toda hora, da lei e do direito, do estado, da nação e do internacional, da opinião pública e do poder público, da política boa e da má, do pacifismo e belicismo, da pátria e da humanidade, de justiça e injustiça social, de coletivismo e capitalismo, de socialização e de liberalismo, de autoritarismo de indivíduo e de coletividade, etc., etc.. E não somente falam no jornal, na tertúlia, no café, na taberna, mas, além de falar, discutem. E não só discutem mas também combatem pelas coisas que esses vocábulos designam. E, no combate, acontece que os homens chegam a matar-se uns aos outros, às centenas, aos milhares, aos milhões. Seria inocência supor que, no que acabo de dizer, há alusão particular a qualquer povo determinado. Seria inocência, porque semelhante suposição equivaleria a crer que essas tarefas truculentas ficam confinadas a territórios especiais do planeta, quando são, muito mais, um fenômeno universal e de extensão progressiva, do qual serão muito poucos os povos europeus e americanos que conseguem ficar isentos por completo. Sem dúvida a feroz contenda será mais grave em uns do que em outros e pode ser que algum conte com a genial serenidade necessária para reduzir ao mínimo o estrago. Porque este, certamente não é inevitável, mas em verdade muito difícil de evitar-se. Muito difícil porque, para sua evitação, teriam de juntar-se muitos fatores em colaboração, fatores de qualidade e classe diversas, magnificas virtudes junto a humildes precauções.
Uma dessa precauções, humilde, - repito, - porém imprescindível, se se quer que um povo atravesse indene estes tempos atrozes, consiste em conseguir que um número suficiente de pessoas desse povo perceba até que ponto todas essas idéias, - chamemo-las assim, - em torno das quais se fala, se combate, se discute e se trucida, são grotescamente confusas e superlativamente vagas.
Fala-se, fala-se de todas essas questões, mas o que se diz sobre elas carece da clareza mínima, sem a qual a operação de falar acaba sendo nociva. Porque falar traz sempre algumas consequências e, como dos citados temas se tem falado muito, - há anos quase não se fala, nem se deixa falar de outra coisa, - as consequências dessa loquacidade são, evidentemente, graves.
Uma das maiores desgraças do tempo é a aguda incongruência entre a importância que tem no presente todas essas questões e a rudeza e confusão dos conceitos sobre as mesmas, que esses vocábulos representam.
Note-se que todas essas ideias, - lei, direito, estado, internacionalidade, coletividade, autoridade, liberdade, justiça social, etc., - quando já não o ostentam em sua expressão, implicam sempre, como seu ingrediente essencial, a ideia do social, de sociedade. Se esta não está clara, todas essas palavras não significam o que pretendem e são meros espaventos. Ora, - confessemo-lo ou não, - todos, em nosso fundo insubornável, temos a consciência de não possuir, sobre essas questões, senão noções errantes, imprecisas, néscias ou turvas. E, desgraçadamente, a rudeza e confusão a respeito de tal matéria não existe somente no vulgo, mas também nos homens de ciência, até o ponto de que não é possível dirigir-se o profano a nenhuma publicação onde possa, de verdade, retificar e polir seus conceitos sociológicos.